MENTE SOBRE A MATÉRIA
O uso de um espelho para criar a ilusão de movimento, foi proposto como recurso terapêutico pelo neurologista indiano Vilayanur Ramachandran (quem falar o nome desse cara bem rápido e sem enrolar a língua ganha um prêmio!). Sendo inicialmente utilizado para o tratamento da dor fantasma de membros amputados.
Baseado em seus trabalhos com amputados, Ramachandran propôs que a terapia de espelhos também seria capaz de acelerar o processo de recuperação funcional de pacientes com AVE.
Como brevemente descrito na postagem anterior, algumas populações neuronais, conhecidas como neurônios espelho, são ativadas quando executamos uma tarefa motora e também quando apenas pensamos ou observamos uma tarefa.
Me parece razoável supor que o uso de espelhos para ativar de áreas motoras e pré-motoras do córtex cerebral funciona como uma via de entrada, digamos assim... “não-proprioceptiva” para o recrutamento de neurônios motores.
Temos assim uma alternativa, ou melhor: um complemento à cinesioterapia. É importante frisar que esta área do conhecimento ainda encontra-se em uma fase muito experimental. Embora aparentemente promissora, o nível de evidência desta técnica ainda é muito baixo. Porém é preciso deixar bem claro que a falta de evidência não é uma evidência. Existem alguns estudos clínicos que investigaram os efeitos da terapia de espelho na reabilitação de hemiplégicos.
Vamos ver o que podemos aprender com estes artigos:
É TUDO UM TRUQUE DE ESPELHOS
Utilizando a imaginética motora na reabilitação da hemiparesia
Stevens JA, Phillips Stoykov ME. Using motor imagery in the rehabilitation of hemiparesis. Arch Phys Med Rehabil 2003;84:1090-2. (acesse o artigo clicando aqui)
Este trabalho foi publicado em 2003 e trata-se do relato de dois pacientes com seqüela de AVE com mais de um ano de evolução onde foram utilizadas duas abordagens de simulação mental.
Ao longo de 4 semanas eles realizaram 3 sessões semanais de uma hora de duração, com dois exercícios mentais específicos. O primeiro exercíciofoi baseado em uma simulação gerada por computador. Os pacientes assistiam à um vídeo com a imagem de um braço se movendo e depois imaginava este mesmo movimento ocorrendo no membro parético. No segundo exercício, era utilizado uma caixa de espelho. Os pacientes foram instruídos a concentrar-se no reflexo, imaginando que de fato se tratava do braço afetado, enquanto membro não afetado se movia em padrões pré-estabelecidos e também manipulava objetos.
Como resultados, houve uma melhora importante nos escores do teste Fugl-Meyer durante o período de intervenção, sendo que nos 3 meses seguintes de follow up (sem intervenção), as melhoras foram modestas. Foi observado também aumento na força de preensão e na ADM de punho.
Este relato de casos é interessante, pois demonstra uma tendência de melhora funcional mesmo em pacientes com seqüelas estabelecidas. Porém uma coisa deixou a desejar:
Não foi relatado se os pacientes estavam em reabilitação antes de entrar no estudo. Esta questão é importante pois se os pacientes nunca tiverem feito nenhum tipo de tratamento, é de se esperar melhoras importantes com qualquer tipo de terapia.
Porém isso é só uma observação e não desmerece esta pesquisa. Apesar das limitações metodológicas, o grande lance deste estudo foi o de registrar a possibilidade de que é possível obter ganhos funcionais apenas ao se imaginar o movimento do braço parético, mesmo sem exercícios, ou qualquer outra terapia física.
Existe também um relato de caso utilizando a mesma metodologia, conduzido pelas mesmas autoras chamado Simulation of Bilateral Movement Training Through Mirror Reflection: A Case Report Demonstrating an Occupational Therapy Technique for Hemiparesis, com reultado praticamnte idêntico ao descrito acima
Fazendo com espelhos: Um estudo de caso de uma nova abordagem terapêutica em reabilitação Doing It with Mirrors: A Case Study of a Novel Approach to Neurorehabilitation
K. Sathian, Arlene I. Greenspan and Steven L. Wolf (para acessar o artigo, clique aqui)
Este é um relato de caso de um paciente hemiparético com 6 meses de evolução do AVE e um grande déficit somatosensorial no lado parético. O programa de treinamento consistiu em sessões diárias de “estratégias de cópia de movimento” (nome chique para atividades bimanuais simétricas), sendo observada uma melhora significativa na força de preensão e no tempo gasto para realizar algumas atividades funcionais como levar a mão à boca, ou pegar um lápis, entre outras.
Mais uma vez, um estudo com resultados animadores, porém é importante frisar que o paciente ainda estava em uma fase muito recente da recuperação do AVE, onde a recuperação espontânea pode ser um fator de confundimento para a avaliação da efetividade da técnica.
Reabilitação da hemiparesia pós AVE com um espelho.
Rehabilitation of hemiparesis after stroke with a mirror Altschuler EL and cols. THE LANCET • Vol 353 • June 12, 1999 (para acessar, clique aqui)
Finalmente temos um estudo com um número maior de pacientes (mas ainda assim deixa muito a desejar). trata-se de uma série de 9 casos de pacientes, apresentado como “research letters” no the Lancet. Neste estudo, os pacientes tinham pelo menos 6 meses pós AVE (Média 4,8 anos, variando de 6 meses a 25 anos). Sendo divididos em dois grupos. Um grupo treinou com um espelho e o outro treinou utilizando uma folha de plástico transparente durante 4 semanas. Após este período, os grupos trocavam de equipamento, prosseguindo por mais 4 semanas. Infelizmente este trabalho não utilizou nenhuma escala validada. Os neurologistas analisavam uma filmagem dos pacientes realizando movimentos dos membros superiores. baseado no desempenho do paciente, os avaliadores davam uma nota para ADM, velocidade e precisãodo movimento utilizando uma escala de –3 a +3, com o 0 Representando a ausência de diferenças.
MORAL DA ESTÓRIA
A qualidade da evidência desta abordagem ainda é muito baixa. Embora seja uma técnica bastante elegante, e a meu ver, muito promissora, não é possível afirmar e nem refutar a efetividade da técnica baseado nos ensaios clínicos disponíveis até o presente momento. Além disso, não é possível dizer que esta abordagem é superior aos tratamentos convencionais, ou mesmo, se utilizada em conjunto com as técnicas convencionais seria capaz de promover melhorias adicionais. Os estudos publicados resumem-se a relatos de casos.
Devo admitir que a minha busca na literatura foi meio fulera, mas acredito que se houvesse algum grande ensaio clínico cego, controlado e randomizado publicado eu teria esbarrado com ele em algum momento nas minhas buscas. Mas se alguém conhecer algum, por favor me mande um aviso!
Pois bem pessoal, o meu parecer sobre a técnica é este: Parece que funciona, mas não dá pra ter certeza absoluta.
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